INTERAÇÕES LÚDICAS E APRENDIZAGEM
18/10/2017
Por Cristina Muniz
(Graduada em Comunicação Social pela PUC/Rio. Licenciada em Educação Física pela UERJ. Especialista em Educação Física Especial pela UER EPS Grenoble França. Mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho. Doutoranda em Educação pela UERJ. Professora do Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro (ISERJ / FAETEC), coordenadora do Laboratório Lúdico Brinquedoteca. Saiba mais em: www.akademia.fabricatekoa.com)
” … se a pesquisa é a mãe da tecnologia moderna, podemos admitir a ideia, ainda que paradoxal, de que o progresso e a cultura têm uma origem lúdica“.
Martinne M. Bousquet
Este artigo relata a experiência do projeto “Esconderijos”, um dos frutos da pesquisa que a brinquedoteca escolar Saci, da Rede Municipal de Ensino/RJ, vem desenvolvendo há 15 anos no sentido de repensar uma prática pedagógica reducionista e exclusiva baseada em um paradigma instrucional, notadamente na educação infantil das camadas populares.
Ao longo destes anos, a brinquedoteca, ao promover ações socioculturais numa perspectiva para além da instrução, tem se chocado com um discurso pedagógico conteudista ainda bastante presente no contexto escolar, e para o qual os professores nem sempre encontram alternativas. Em 1997, uma pesquisa apontou a possibilidade da brinquedoteca escolar como espaço cultural, não só para as crianças usuárias, mas também para os professores que as acompanham, ali aonde é possível experimentar a liberdade de jogar junto, em uma relação de proximidade com as crianças.
O projeto “Esconderijos”, aborda um dos aspectos desta discussão, relativa a formação de educadores, numa perspectiva lúdica. Desenvolvemos um trabalho de formação em serviço com educadores, arte educadores e terapeutas. Pensamos um caminho metodológico onde a construção de brinquedos e conceitos referentes ao campo do lúdico interagiu com as ações pedagógicas desenvolvidas em um campo de trabalho determinado. Os trabalhos buscaram ser realizados a partir da vivência dos participantes nestes ambientes sociais singulares, propondo “a elaboração de objetos … a partir da interação entre os interesses… tanto daquele que faz quanto daquele que usa que, nesse caso, é um colaborador ativo no processo de descoberta do objeto e sua forma”, como explicitam os professores Renata Eyer e André Lameirão, do Departamento de Artes e Design da PUC.RIO, nossos parceiros neste projeto.
“Essencial em nossa vida é trabalhar com o que nos motiva, fazendo o projeto costurando nossos interesses com os nossos processos de fazer e de aprender. Porque interesse e entusiasmo são manifestações da sua alegria, e é esse estado do ser que inicia um processo criativo”.
(BRANCO, Ana. Metodologia de Projeto, PUC-Rio)
Acreditando neste processo de fazer e de aprender, fomos trançando experiências, saberes, desejos, dialogando com as técnicas e teorias a partir deste trançado, compreendendo, como diz o psicanalista Winnicott, que é no brincar compartilhado que fruímos nossa liberdade de criação.
O campo de estudo da experiência lúdica e de suas técnicas é vasto e vem sendo problematizado desde Platão. No contexto da formação de educadores havia muitas dúvidas quanto à relação entre aprender e brincar. A dicotomia entre interações lúdicas e educativas nos faz escorregar facilmente para o aprender brincando, pois, a brincadeira é percebida amiúde como não tendo conteúdo. Quando nossa percepção sobre o brincar se aprofunda, o lúdico vai deixando de ser utilizado como recurso e ganha valor em si, como uma linguagem peculiar do mundo infantil.
Iniciativas lúdicas e culturais sempre afetam de algum modo as pessoas e as instituições, dando pistas de como trabalhar para além da instrução. Assim, embora algumas pesquisas tenham revelado uma didatização do lúdico, percebemos que avanços foram feitos.
“Ao introduzir o lúdico no meu curriculum, me sinto mais leve e solta em relação a eles (alunos)“, comenta a professora ao ensinar simetrias e escalas, instigada pela emoção e envolvimento dos alunos quando o lúdico, através das pipas e papagaios, invadiu sua sala de aula.
Outras propostas apostaram na inserção de brincadeiras e brinquedos no cotidiano escolar, com a expectativa de que desta forma o lúdico estaria garantido. Mas, neste caso, ele escapa. O risco aqui é que as ações continuem a ser transformadas em programas a serem cumpridos por um aluno que continua a ser fabricado. E a criança fica mais uma vez de fora da brincadeira!
Perscrutar nossa memória escolar revelou uma experiência quase sempre marcante, que afeta as pessoas quer seja pelo que aconteceu, quer seja pela falta, pelo que não aconteceu. Vamos assim decifrando como o nosso corpo foi sendo ensinado na escola, fragmentado de suas ideias, alienado de seus desejos, perguntando o que e como ele ensina hoje.
A partir de um exercício com imagens, evidenciamos nosso conhecimento acerca do lúdico. Liberdade foi uma ideia associada à quase todas as imagens, e organizando os relatos, percebemos que esta e categorias correlatas são toleradas em geral em espaços não formalizados para a aprendizagem.
Parar – sonhar – se desprender do relógio – cada um fazendo uma coisa – bagunça – arte e imaginação – liberdade – luta – queria colocar um ponto final, mas não tinha – esportes radicais – desafio – irreverência – conversar – namorar – pegar a estrada sem destino – o corpo fica leve e solto – celebração – fazer – compartilhar – a criança criando o que já existe, etc.
O jogo de imagens suscitou muitas conversas sobre nossos desejos de fazer coisas. Brincar é fazer, sentencia Winnicott. E se o lúdico é a aprendizagem do desejo, elegemos algumas coisas para fazer, partindo dos desejos externados. Assim, alguns iriam tentar “andar na corda bamba”, tomar banho de cachoeira, ler mais poesia, se permitir não fazer nada etc., mas não nos levamos muito “a sério” nesta proposta.
A partir deste jogo e durante todo o processo das oficinas, um conflito marcou nossas reflexões, girando em torno da questão: “mas afinal, onde acaba a bagunça e começa o lúdico?! Presente em vários ambientes de trabalho, este conflito é geralmente expresso por críticas do tipo: não vai dar conta de ensinar; tem os conteúdos para cumprir; está soltando demais depois não vai controlar; há muita algazarra que interfere no ambiente etc.
Para ler o artigo na íntegra, acesso nossa plataforma científica: www.akademia.fabricatekoa.com
Tekoa – Centro de Estudos da Aprendizagem
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Imagem: https://www.espacoinfantil.com.br/brincadeiras-infantis-para-fazer-em-casa